Hoje, venho até aqui para representar uma classe em
especial: os esquisitos.
Estranhos, bizarros, anormais, fora do comum... Criaturas
que não se enquadram social ou psicologicamente em grupos pré-estabelecidos
pela sociedade vigente.
Nós, os esquisitos.
Caracterizados principalmente por uma mescla de gostos
incomuns, opiniões infindáveis e pensamentos desconexos. Bizonhos. Os seres que representam
a metamorfose ambulante do ser, parecer e pensar. Mescla do crer e não crer.
Venho por meio dessa carta aberta expressar meu
descontentamento. E devo dizer que todo ele é para com vocês, pessoas
auto-classificadas como normais.
Devo dizer que esse descontentamento, e porque não essa
mágoa, não vem de hoje, tampouco de dias ou meses atrás. Acrescento, ainda,
que meu desagrado me acompanha por toda uma vida.
Desde que nasci, sou tratada como anormal. Filha única de
mãe solteira, eu fui renegada em muitas igrejas católicas onde minha pobre mãe
tentou me batizar. Graças a uma alma caridosa, um padre de uma igrejinha
humilde aceitou realizar tal pleito imoral. Quando cresci, adquiri o hábito de
lutar com espadinhas de plástico. (Minha preferida era azul escura, linda!).
Mas meus coleguinhas do Maternal II pareciam não aceitar o fato de eu, uma
garotinha magrela, pirar no cabeção com minhas espadinhas coloridas. Era quase
todo dia que retornava a minha residência cheia de mordidas e marcas roxas de
beliscões. Não era NORMAL uma menina tão pequena brincar com coisas de menino.
Aos seis anos de idade, aprendi a ler. Resultado de um esforço
conjunto entre minha mãe, meu avô materno e minha professorinha da Pré Escola. Daí
pra frente, a prática virou um hábito (que persiste até hoje), mas que, na
época, era visto como incomum pela mãe de uma coleguinha. Ela dizia “Essa
criança num é normal, leva numa psicóloga e vê o que tem”. Por sorte, minha mãe sempre foi muito
racional.
Fui crescendo, e a cada ano que passava, maior parte das
pessoas NORMAIS ao meu redor me julgavam, criticavam, rotulavam, sem eu nem ao
menos saber o motivo. Certa vez era eu que estava muito magra: “Filha de mãe
solteira, coitadinha, por isso é desnutrida!”; e sempre riam de mim. Por vezes, as
demais crianças repetiam o que seus pais falavam em casa, na escola: “Nossa
Deborah, você tem um pai!”.
Quando atingi certa idade, procurei tentar me encaixar entre
vocês, os normais. Nada muito satisfatório, nem bem arranjado já que, todo esse
esforço, acabou me rendendo só mais chacotas, apelidos jocosos e olhares
oblíquos. Entendi, então, que deveria assumir o que eu era: uma esquisita.
Cresci pensando ser errada ao ser quem era; cresci achando
que, se eu me adequasse talvez às pessoas gostassem mais de mim. Sempre busquei
a aceitação dos que me cercavam, quando quem deveria me aceitar era eu
mesma. Sofri.
Mas também sobrevivi. E estou muito bem, obrigada!
Quando encontrei a aceitação que precisava, resolvi me
refugiar com os meus: os outros esquisitos. Estamos por toda a parte, nos
esquivando dos seus olhares maldosos e seus julgamentos precipitados. Dos seus
preceitos e conceitos deturpados... De todos os seus valores invertidos, da sua
sociedade burguesa que, atualmente, prega a ditadura da felicidade. Vez ou outra, vocês se
lembram da gente, quando precisam se sentir superiores a alguém, mas são
incapazes de direcionar sua raiva para algo consciente. É sempre para nós que
sua raiva é direcionada. Vocês se lembram de nós quando, no fundo, percebem que
não conseguiram ser nada além do que aparentam ser: normais.
Segui o exemplo de meus iguais. Talvez por comodismo ou autodefesa,
decidi que não iria mais me envolver em questões das quais vocês ditavam as
regras.
Resolvi deixar o mundo nas mãos de vocês.
Erro meu. Erro de todos nós, os esquisitos.
Mas é em nome do mundo, que venho falar aqui. É em nome do
mundo, que vocês normais fizeram o favor de cagar.
Confesso que meu quê revanchista adorou perceber que nenhum
de vocês, que ria de mim, foi capaz de administrar esse planeta. Nenhum normal
foi mais que o próprio excremento que evacua todas as manhãs, após tomar
Activia. Nenhum.
Nós, os esquisitos, viemos por meio dessa, avisar que vamos
voltar.
Que seu reinado repleto de normalidades está acabando, e que
2012 será o início do nosso retorno.
Nós esquisitos devemos, ainda, desculpas ao mundo. Não
deveríamos, nunca, ter nos acomodado (seja por conforto ou medo). Nosso maior
erro foi crer em todas as inverdades desses normais. Foi baixar a cabeça, e
comprar suas ideias pútridas, baixas e medíocres.
Afinal, mediocridade hoje em dia, é muito normal.
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Esquisito: adjetivo. Não usual, fora do comum. Raro,
delicioso, excelente. Bem-acabado,
primoroso. Extravagante, singular,
excêntrico.