Chegada essa data maravilhosinha, em que nós, nerds, podemos
celebrar e espalhar nossa cultura (e sair por aí com uma toalha enrolada no
pescoço), me vejo lembrando de uma situação vivida por mim, há uns dez anos
(marromeno). A púbere Deborah (essa aqui que vos fala), aos 15 aninhos de
idade, foi taxada como burra demais para ler e entender o humor de Douglas
Adams e a trilogia (de cinco livros, risos) do Guia do Mochileiro das Galáxias.
Se não me falha a memória, o ano era 2004. Eu cursava o
primeiro ano do ensino médio e tinha um namorado novo, do qual eu gostava
MUITO. O rapaz era cinco anos mais velho que eu (sim, ele tinha 20 anos de
idade. E, sim, deve ter alguma coisa muito ilegal nisso) e eu convidei o
mancebo para a festa junina do meu colégio.
Como morávamos longe um do outro dificilmente conseguíamos
nos ver sem que um ou outro enfrentasse 2h de ônibus e metrô. Normalmente era
eu quem fazia o trajeto, todos os domingos, de manhã cedinho, e voltava tarde
da noite para casa e escutava minha mãe brigar horrores (hoje vejo que era com
toda a razão). Também era comum que eu ligasse todos os dias para ele, sem
falta, e passássemos horas seguidas ao telefone, conversando ou, o mais comum,
em silêncio. Não era uma relação fácil. Era meu segundo namoro, eu era muito
nova e sem qualquer experiência. Ele era mais velho e vez ou outra se
aproveitava e fazia origami com meu papel de trouxa.
Hoje eu sei que vivia em um relacionamento abusivo. Ele,
mais velho e experiente, cheio de si e dos mil contatinhos. Pronto para jogar
na minha cara que ele era bom demais, que eu tinha sorte em estar com ele....
Que meus amigos eram muito fracos, muito feios, muito burros e ignorantes. Que
eu ainda era muito menina, mas que ele me mostraria coisas boas, de qualidade,
que sozinha eu JAMAIS conseguiria descobrir. Eu deveria agradecer por ter a
chance de ser a namorada dele.
Enfim.... Essa festa junina: foi bem chata. Ele e mais duas
colegas de colégio, junto a mim, decidimos que seria melhor ir para o shopping
e ver algum filme no cinema. Foi feito. Maior parte do tempo a gente se
divertiu, mas vez ou outra ele soltava piadinhas sobre como eu e uma das
colegas não conseguiríamos entender um filme X que estava em cartaz. O clima
ainda estava agradável. Ainda...
Chegando no shopping, ficou decidido que veríamos a
adaptação do Guia do Mochileiro das Galáxias (que eu não conhecia bem, até
então), mas logo na fila as piadas dele começaram a irritar minhas colegas.
Afinal de contas, quem é que gosta de ser chamado de burro? Quem concordaria
com uma pessoa que se julga superior a você, sem conhecer todas as suas
capacidades e, por se julgar superior, se acha no direito de te rebaixar?
Bem... Eu concordei.
Meu medo era tanto de brigar com ele e provocar MAIS UMA
discussão que eu só me calava. Eu abaixava a cabeça e aceitava, pois não podia
perde-lo. Afinal de contas, ele era muito bom. Eu não. Ele era muito
inteligente. Eu não. ELE me julgou incapaz de entender Douglas Adams. Eu
acreditei.
Foram alguns meses de uma relação doentia, onde me tornei
totalmente dependente dele e das neuras dele. Quando a relação acabou, me vi
doente, sem vontade de comer, sair de casa ou viver. A única coisa que me
manteve lúcida, foi estudar. Curiosamente, no bimestre em que nos separamos,
foi o bimestre em que minhas notas foram as mais altas.
Anos depois, e com mais experiência, percebo a quão burra eu
fui em acatar com essa e demais ideias que ele tinha sobre mim. Poxa, ele nem
me conhecia e resolveu ensinar a mim o quão superior ele era e como eu, aos 15
anos de idade, deveria viver e me comportar para ser digna dele. Ele, um cara
maior de idade que só se envolvia com garotinhas, provavelmente porque elas
eram mais fáceis de manipular.
Enfim...
Fiquei um bom tempo sem realmente ler O Guia pois, de fato,
me sentia rebaixada e incapaz de compreendê-lo. Quando, finalmente, me dispus a
ir atrás e ler todos os livros, percebi que eu realmente fui burra, mas não do
jeito que ele dizia que eu era.
Fui burra por acreditar nele. Fui burra por não ter ouvido o
que minhas colegas disseram naquele dia, em frente ao cinema.
Fui burra pois fiz o que fiz ao ter entrado em pânico,
pensando estar sozinha sem ele.
Tadinha de mim. Se eu tivesse ignorado esse mancebo e
tivesse lido O Guia do Mochileiro das Galáxias saberia, logo na capa, que eu
não deveria ter entrado em pânico.