domingo, 15 de outubro de 2017

É quem pode mudar o mundo


Quando eu era criança, jamais sonhei em ser professora, muito embora minha brincadeira preferida fosse dar aula às minhas bonecas.
Cresci ouvindo que ser professor era terrível. Cheios de responsabilidades, desvalorizados moralmente e financeiramente. Ninguém respeitava o professor. Quem ia querer ser professor aprendendo isso a vida toda?!
Cresci, escolhi minha graduação já sem a intenção de lecionar.
Mas não consegui escapar da profissão que me escolheu tão cedo. Porque acredito que foi isso... A profissão me escolheu.
Não por eu ser melhor que outros, ou por eu ter mais capacidades. Mas porque eu sempre quis mudar o mundo.
E ser professor é isso. É você acordar todos os dias, cansado das atitudes dos alunos, cansado do ambiente escolar maçante e desgastante; é pensar em mudar de área pois não aguenta mais a falta de interesse daqueles a quem você se dedica diariamente. É se empolgar com as aulas preparadas e chegar na escola só para descobrir que nada do que você planejou pode ser colocado em prática como você imaginou e, mesmo assim, ter que seguir em frente. É lidar com um governo que te desmoraliza perante a sociedade, te taxando de vagabundo enquanto você é o único que, deveras, se importa com as futuras gerações.
É portar o estandarte da luz da sabedoria enquanto o mundo fica nas trevas da ignorância, nessa batalha tão sofrida que é a educação desse país.
Sofremos tantos ataques justamente por isso: somos os últimos guerreiros em pé nessa cruzada contra a manipulação das mentes por parte dos governos maquiavélicos, onde os meios nada importam, mas os fins os justificam.

Sei quão dura é essa batalha. E não julgo os que caíram no trajeto, uma vez que esse ano mesmo eu já pensei diversas vezes em abandonar meu posto.

Mas lembrei da Deborah criança, e da vontade dela de mudar o mundo. E eu estou aguentando, em respeito a ela. Porque, bem no fundo, eu sei que alguma mudança eu já fiz.
Parabéns pelo nosso dia. E força. Muita força.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

Desabafo neste Dia do Orgulho Nerd: a vez que me fizeram crer que eu era burra demais para entender Douglas Adams

Chegada essa data maravilhosinha, em que nós, nerds, podemos celebrar e espalhar nossa cultura (e sair por aí com uma toalha enrolada no pescoço), me vejo lembrando de uma situação vivida por mim, há uns dez anos (marromeno). A púbere Deborah (essa aqui que vos fala), aos 15 aninhos de idade, foi taxada como burra demais para ler e entender o humor de Douglas Adams e a trilogia (de cinco livros, risos) do Guia do Mochileiro das Galáxias.
Se não me falha a memória, o ano era 2004. Eu cursava o primeiro ano do ensino médio e tinha um namorado novo, do qual eu gostava MUITO. O rapaz era cinco anos mais velho que eu (sim, ele tinha 20 anos de idade. E, sim, deve ter alguma coisa muito ilegal nisso) e eu convidei o mancebo para a festa junina do meu colégio.
Como morávamos longe um do outro dificilmente conseguíamos nos ver sem que um ou outro enfrentasse 2h de ônibus e metrô. Normalmente era eu quem fazia o trajeto, todos os domingos, de manhã cedinho, e voltava tarde da noite para casa e escutava minha mãe brigar horrores (hoje vejo que era com toda a razão). Também era comum que eu ligasse todos os dias para ele, sem falta, e passássemos horas seguidas ao telefone, conversando ou, o mais comum, em silêncio. Não era uma relação fácil. Era meu segundo namoro, eu era muito nova e sem qualquer experiência. Ele era mais velho e vez ou outra se aproveitava e fazia origami com meu papel de trouxa.
Hoje eu sei que vivia em um relacionamento abusivo. Ele, mais velho e experiente, cheio de si e dos mil contatinhos. Pronto para jogar na minha cara que ele era bom demais, que eu tinha sorte em estar com ele.... Que meus amigos eram muito fracos, muito feios, muito burros e ignorantes. Que eu ainda era muito menina, mas que ele me mostraria coisas boas, de qualidade, que sozinha eu JAMAIS conseguiria descobrir. Eu deveria agradecer por ter a chance de ser a namorada dele.
Enfim.... Essa festa junina: foi bem chata. Ele e mais duas colegas de colégio, junto a mim, decidimos que seria melhor ir para o shopping e ver algum filme no cinema. Foi feito. Maior parte do tempo a gente se divertiu, mas vez ou outra ele soltava piadinhas sobre como eu e uma das colegas não conseguiríamos entender um filme X que estava em cartaz. O clima ainda estava agradável. Ainda...
Chegando no shopping, ficou decidido que veríamos a adaptação do Guia do Mochileiro das Galáxias (que eu não conhecia bem, até então), mas logo na fila as piadas dele começaram a irritar minhas colegas. Afinal de contas, quem é que gosta de ser chamado de burro? Quem concordaria com uma pessoa que se julga superior a você, sem conhecer todas as suas capacidades e, por se julgar superior, se acha no direito de te rebaixar?
Bem... Eu concordei.
Meu medo era tanto de brigar com ele e provocar MAIS UMA discussão que eu só me calava. Eu abaixava a cabeça e aceitava, pois não podia perde-lo. Afinal de contas, ele era muito bom. Eu não. Ele era muito inteligente. Eu não. ELE me julgou incapaz de entender Douglas Adams. Eu acreditei.
Foram alguns meses de uma relação doentia, onde me tornei totalmente dependente dele e das neuras dele. Quando a relação acabou, me vi doente, sem vontade de comer, sair de casa ou viver. A única coisa que me manteve lúcida, foi estudar. Curiosamente, no bimestre em que nos separamos, foi o bimestre em que minhas notas foram as mais altas.
Anos depois, e com mais experiência, percebo a quão burra eu fui em acatar com essa e demais ideias que ele tinha sobre mim. Poxa, ele nem me conhecia e resolveu ensinar a mim o quão superior ele era e como eu, aos 15 anos de idade, deveria viver e me comportar para ser digna dele. Ele, um cara maior de idade que só se envolvia com garotinhas, provavelmente porque elas eram mais fáceis de manipular.
Enfim...
Fiquei um bom tempo sem realmente ler O Guia pois, de fato, me sentia rebaixada e incapaz de compreendê-lo. Quando, finalmente, me dispus a ir atrás e ler todos os livros, percebi que eu realmente fui burra, mas não do jeito que ele dizia que eu era.
Fui burra por acreditar nele. Fui burra por não ter ouvido o que minhas colegas disseram naquele dia, em frente ao cinema.
Fui burra pois fiz o que fiz ao ter entrado em pânico, pensando estar sozinha sem ele.

Tadinha de mim. Se eu tivesse ignorado esse mancebo e tivesse lido O Guia do Mochileiro das Galáxias saberia, logo na capa, que eu não deveria ter entrado em pânico.


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segunda-feira, 6 de março de 2017

Sobre Logan e meu passado. (SPOILER!)

(Contém spoiler. Se você ainda não viu o filme Logan, não leia. Tem outro aviso mais pra frente, mas já deixo avisado desde já!)


Eu tinha separado esse texto para falar da minha experiência (fantástica) de ter virado a noite dançando numa balada anos 80 aqui de São Paulo, mas urge que eu fale de outro assunto.
Para tal, necessito retornar no tempo e apresentar a Deborah de 17 anos atrás.
Em 2000, eu tinha 10 anos de idade. Era uma pequena nerdzinha, fã de animes, mangás e HQ’s (sim, é possível, vai por mim). Curtia muito as séries, de qualidade questionável, que eram baseadas em jogos (Mortal Kombat, por exemplo) e estava naquela fase de me espelhar nos meus personagens preferidos. Era o começo daquela fase chatinha da adolescência, onde a gente quer se encaixar e pertencer a algum grupo. Você deve estar pensando que foi fácil, já que coisinhas nerds estão na moda e que é cool saber de cor e salteado os nomes de golpes do Goku. Mas em 2000 isso era meio complicado. Ser nerd não era legal. Desenhos e quadrinhos eram associados à infância, e aos 10 anos de idade, quando você é menina, existe uma pressão bem grande para que você vire “mocinha”.
Desenhos de luta não eram pra mocinhas. Histórias violentas não eram pra mocinhas. Super-heróis não eram pra mocinhas. E eu deveria ser uma mocinha. Mas eu não era (e seguindo a lógica, continuo não sendo).
Sempre fui ensimesmada e isso dificultava muito meu entrosamento. Além do que, na minha sala, não tinham garotas que curtissem as mesmas coisas que eu. Elas precisavam ser mocinhas. Eu que não era.
Aos 10 anos de idade, além do problema de ser mocinha, eu lidava com uma doença renal complicada. Era algo com o qual minha família e eu convivíamos desde meu nascimento e que, até então, só evoluía... Pra pior. Existia uma dúvida e uma ameaça velada ao meu bem-estar. Não era incomum que eu sumisse da escola ás vezes porque as crises de febre me acometiam, e eu ia parar no hospital. Quando voltava, era repouso por um bom tempo. Eu não podia viajar para muito longe, não podia comer uma série de coisas e nem praticar alguns esportes. Dificilmente ia dormir na casa dos colegas, ou até passar a tarde fazendo trabalhos porque as crises poderiam vir a qualquer momento. Numa fase em que você está tentando se encaixar, nada disso que descrevi era um facilitador.
Mas eu tinha meus refúgios.
Os dias que eu ficava afastada da escola eram toleráveis graças aos desenhos que passavam na tv aberta. Era bom porque eu tinha minhas revistinhas em quadrinhos e eu podia criar uma série de estórias envolvendo meus personagens preferidos. E no ano 2000 eu estava na fase X-Men.
Porque eles eram mutantes. Eles eram imperfeitos. Eles sofriam com aquelas imperfeições, que os tornavam tão especiais. Na minha cabeça de criança portadora de uma má-formação congênita, eles eram iguais a mim. Eu também era uma mutante, porque nasci diferente e lidava com essa diferença desde que me conhecia por gente.
Quando soube que teria um filme dos X-Men, com atores de verdade, eu pirei. Guardei até a reportagem do jornal que anunciava o grande feito do cinema atual, com uma série de efeitos visuais dificílimos de fazer. Era uma foto da Tempestade (diva), minha mutante preferida <3 o:p="">
Lembro que no dia da estreia, eu estava numa daquelas crises. Febre alta, dores nas costas e cheia dos antibióticos e antitérmicos. Minha mãe não achou uma boa ideia nós irmos ao cinema naquele dia, mas a expectativa era tanta que minha avó resolveu acompanhar. Lembro até do refrigerante que compramos para tomar durante o filme, e da pipoca doce com caramelo meio queimado. Quando algum personagem aparecia, eu tentava explicar para minha avó quem era, e quais os poderes. Fui à loucura quando a Tempestade embranqueceu os olhos e eletrocutou o Groxo. Saí do cinema e, no dia seguinte, estava no P.S. da Santa Casa de São Paulo.
O tempo foi passando. O segundo filme da série saiu, e eu fui com alguns colegas da escola e com um ex-namorado. Era uma fase ruim da minha vida. Além dos problemas de saúde, minha família atravessava problemas financeiros complicadíssimos, e eu vivia uma relação complexa demais para elucidar aqui.
Quando O Confronto Final estreou, eu fui ver com um grande amigo meu. Também na estreia. Cinema lotado, no Shopping Santa Cruz. Minha avó tinha falecido poucos dias antes. Foi difícil lidar.
Quando me formei no EM e ingressei na faculdade, tive meus anos de glória na nerdice. Conheci pessoas com gosto muito parecido com os meus, os filmes que eram adaptações de HQ’s e jogos pipocavam e a internet facilitou demais meu acesso ao material mais raro de encontrar por aqui. Foi a época em que eu reclamei dos filmes mal adaptados e dos enredos sem sentido. Foi a época em que perdi as esperanças de ver meus personagens preferidos retratados de uma maneira eloquente nas grandes telas. Foi quando eu desisti de ver um mutante representando aquela família que X-Men sempre mostrou para mim.
Dezessete anos depois me deparei com Logan.
Aos 27 anos de idade, hoje, me encontro em uma situação muito diferente daquela menina de 10 anos. Tenho uma saúde excelente. Diferente da época em que fui ver o segundo filme, estava cercada de pessoas que amo profundamente. Diferente daquele dia enlutado do terceiro filme, eu estava feliz.


SPOILER! SPOILER! SPOILER!
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Eu pude sentir, plenamente, todas as emoções que esse filme proporcionaria a uma fã como eu, que cresceu e acabou criando laços muito íntimos e pessoais com aquele universo. Ver, com uma ótica adulta, o que teria acontecido com o Logan e o professor Xavier, mesmo que tamanha a decadência, me fez ver que o tempo passou. Eu pude ver, finalmente, uma família de mutantes, por mais torta e desgarrada que parecesse.
Curiosamente, a mutante caçada pelos carniceiros é uma menininha, a X-23. Uma menina que, assim como a Deborah de 10 anos, não é uma mocinha. Uma menininha que desce a porrada em todo mundo. Uma menina que passou por uma série de experiências terríveis num ambiente hospitalar e que (obviamente) por mais fantasiosas que fossem, me lembraram muito os exames e tratamentos mirabolantes aos quais a comunidade médica me submeteu ao longo da minha infância/adolescência. Foi bem difícil não me ver nela; não lembrar da Deborah de 10 anos de idade que se espelhava nos mutantes fantasiosos como uma válvula de escape para uma realidade nada favorável.
Quando o professor se foi, eu vi toda a sabedoria que minha avó representou ao longo da minha vida.
Quando chega a vez do Logan, e a X-23 muda a posição da cruz para fazer um “X”, ela enterrou uma parte do meu passado. Não que isso seja ruim, porque não é. Esse meu passado sempre vai estar ali, para mim. Mesmo que eu quisesse apagá-lo, ele estaria.
Foi bom porque a menininha seguiu em frente. Mudada pelas adversidades da vida dela, mas seguiu. Foi o que eu tive que fazer.
Vi uma entrevista que o Hugh Jackman deu aqui no Brasil onde um fã disse que se despediu de um grande amigo em Logan.
Eu me despedi de um passado extremamente doloroso. Mas que me fez o que sou hoje.