Minha cabeça anda cheia de ideias e faz tempo que preciso escrevê-las. Capaz que o frio, o alinhamento dos astros e a postura do rabo da minha gata em fricção com meu altar tenham a ver com essa vontade... Sei lá! O que sei é que muitas coisas andam me deixando atarantada.
Primeiro: é que eu vejo tanta coisa boa na escola onde leciono e, muitas vezes, me entristece saber que várias dessas coisas acabam sendo soterradas, ou deixadas de lado pelo simples fato de que os problemas são tantos que boa parte do tempo útil do pessoal que trabalha ali é destinado a resolvê-los. E quando digo problemas, quero dizer PROBLEMAS. Cara, escola pública sabe? Descaso do governo pra manter o lugar bonitinho, descaso dos alunos em cuidar do patrimônio público, descaso de alguns pais que pensam que a escola deve educar as crianças... É tanta coisa que, se eu for ficar enumerando e comentando, posso publicar um livro épico a lá Odisseia (e olha que nem entrei na questão salarial, hen!).
Pois bem. Tenho alunos ótimos ali. Tenho uma aluna que é viciada em livros. Sempre que ela termina uma tarefa, ou tem um tempinho livre na aula, tira um livro do bolso e devora, ali na sala mesmo, no meio da bagunça dos colegas. E são títulos dos mais diversos: Menino do pijama listrado, Harry Potter, Menina que roubava livros, Caçador de pipas... Acho gratificante perceber como tem pessoas dessa nova geração tão abertas a novas ideias e a esse mundo louco e maravilhoso da literatura. Ainda mais vindo de uma família pobre que não possui o hábito da leitura, pelo que soube na reunião de pais. Isso ela aprendeu na escola mesmo: gostar de ler. Engraçado que, os colegas dela, vendo a menina toda concentradinha, começaram a ir atrás de livros também. Não digo que a variedade de títulos seja impressionante, mas eles estão procurando livros e estão gostando. Aliás, descobriram recentemente os livros de Harry Potter e é pura mania na turma.
Tenho outro aluno que desenha muito bem, é fã de animes e mangás. Também é bem inteligente, e tem um costume aterrador de bombardear todos os professores com zilhões de perguntas de todos os temas possíveis: de invasões alienígenas até história japonesa, de política brasileira até Iluminati. Esses dias veio perguntar pra mim o que eu achava de ele tentar fazer uma estória original pra um mangá. Disse que pesquisou sobre autores brasileiros, editoras e que quer seguir em frente. Cara... Quando que se imagina que no meio desse caos todo que é a educação pública brasileira vão ter pessoas que vão se inspirar e se empolgar com o pouco que lhes é oferecido?
E tem outros casos! Entusiastas de guerras, especialistas em aviões, fanáticos por games que já sabem o básico de programação no ensino fundamental, galera que discute política, dentro dos seus limites, melhor do que muitos adultos e, ainda, com a cabeça bem mais aberta pra receber outras opiniões.
Fico imaginando como seria se, um dia, conseguíssemos evoluir com o ensino público a um patamar onde o que temos a passar atinja a todos os alunos, principalmente aqueles que são desmotivados e acuados nesse sistema bizarro, que cada vez mais parece visar o emburrecimento da população.
O que mais gosto nesse papo de trabalhar com educação é saber que, de alguma maneira, faço parte na formação de alguém, mesmo que minimamente.
Tenho alunos que, ao contrário dos anteriores, sofrem com inúmeros problemas. Seja em casa, com lares desequilibrados, seja com sua saúde, onde dependem do SUS e, muitas vezes, não tem o que fazer a não ser esperar. Tenho alunos com doenças graves, deficiências sérias que atrapalharam seu processo de aprendizado e que, por conta de toda lentidão do sistema e a dificuldade em achar uma vaga com especialista, chegaram até o final do ensino fundamental sem saber ler direito, ou faltou tanto ao longo da vida escolar que, agora que está fora da idade por conta de repetências por faltas, não tem mais ânimo pra seguir em frente.
E sem contar aqueles que vivem á beira de uma explosão. São os tais casos irrecuperáveis, onde não adianta chamar os pais, já que a solução deles vai ser surrar o garoto ou, ainda, ignorar os chamados e viver a vida como se o filho não existisse.
Tenho inúmeros alunos-problema. Sério. Aliás, pode-se dizer que boa parte das escolas públicas é destinada a reclamar/tentar resolver esses casos. Há uns tempos estava falando da biografia de um certo ditador, que não vêm ao caso agora, mas ao decorrer da vida deste homem, disse aos alunos (uma sala difícil, e um aluno-problema-sério) que este homem, em sua infância, sofreu demais com a pobreza e a violência com que o país tratava os pobres; que apanhava em casa, tinha muitos irmãos e começou a trabalhar muito cedo. Ficou acostumado a tratar tudo de forma truculenta e resolver seus problemas por meios nada amigáveis. Eis que o garoto, que estava quieto durante minha explicação, comenta "Nossa fessora, que nem eu esse cara aí. Parece minha vida". Os colegas começaram a rir e ele, sério, continuou a afirmar que era verdade, e narrou resumidamente sua trajetória que, aos 16 anos, poderia ser parte de um roteiro cinematográfico.
Fiquei chocada, e passei a encarar o garoto com outros olhos. Hoje, é um dos que colabora com minhas aulas, embora os demais colegas não se inspirem em seu exemplo. Mas, infelizmente, não tem mais nada que posso fazer a não ser ensinar o que devo ensinar e torcer pra que ele não seja um desses casos de jovens mortos pela polícia, pois estavam envolvidos com tráfico de drogas.
Enfim... Daí pensei em como mudar um pouco as coisas, sabe? Fazer algo diferente, mas ao mesmo tempo dentro desse meio escolar que tanto precisa de alunos como os primeiros que citei. Eles não são melhores que os demais, e não significa que todos devam ser iguais a eles.
Segundo: a verdade é que não consigo pensar em um meio de fazê-lo. Acho que, se eu colocar isso tudo pra fora, como estou fazendo agora, pode contribuir para que novas ideias venham até mim. Daí resolvi vir aqui e escrever só por escrever mesmo. Daí as ideias que eu já "mastiguei" saem e ideias novas, de novos sabores entram, e eu consigo saber qual deles eu mais gosto :)