segunda-feira, 20 de junho de 2011

Abaporu e Eu


Depois de muitos meses e litros de lágrimas e suor, estou voltando, mas não sei se essa volta é permanente. Estou aqui pois tenho a necessidade psicológica, e porque não dizer, física de escrever o que sinto nesse momento da minha vida.
Há uns dias, fui demitida do meu emprego de professora contratada no Estado de São Paulo. Um grande equívoco com meu contrato, que não vem ao caso agora. Também iniciei mais uma etapa acadêmica da minha vida, minha Pós-Graduação em História da Arte. Tudo estaria bem, se não fosse essa estranha sensação que domina minha mente, minha alma e meu coração.
Aquela boa e velha indagação, por vezes associada à adolescência: quem sou eu?
Em uma de minhas aulas, acabei por me deparar novamente com o quadro da Tarsila do Amaral, o Abaporu. E tive a minha primeira experiência de fruição, que independeu ou ignorou meus conhecimentos prévios de leituras históricas e artísticas acerca do Modernismo.
(A partir daqui devo deixar claro que essa é uma leitura muito pessoal da obra, que em nada, ou quase nada, tem a ver com a proposta modernista de suas obras)
Em meu exercício experimental de curadoria, pude notar como o Abaporu é triste. Mas, a princípio, não soube o porque. E foi então que, analisando sua situação como um ser vivente e ciente de suas condições e proporções descomunais, comecei a pensar se ele não seria triste por isso. Uma criatura disforme, emoldurada eternamente para a admiração e a repulsa alheias... Criatura incompreendida e incapaz de mudar, presa física e emocionalmente naquele estado vegetativo; o estado de contemplação (alheia).
Seriam seus pensamentos próximos a conformação, como sugerem as posições de seus braços e de sua cabeça, levemente reclinada, enquanto seus olhos tristonhos e vazios contemplam o nada? Saberia este pobre Abaporu, que o mundo o vê como um monstro? Que o mundo o julga como o símbolo do desgraçado povo brasileiro? Será que Abaporu gosta desse seu estigma?
Triste Abaporu, ciente de sua monstruosidade e de todo seu significado para a arte mundial... Sem poder, ao menos, ser feliz. Abaporu sabe que sua situação não vai mudar, sabe que, para ele, nada mais tem jeito. Sabe que sua vida está acabada ali, sem ao menos tê-la vivido. Abaporu é triste.
E aqui eu caio, novamente naquela minha questão: quem sou eu? E eu vos respondo. Eu sou Abaporu.
Um misto de sentimentos desconexos e pensamentos sem forma, que se misturam e acabam por criar um ser sem definições exatas, que desafia a compreensão alheia e os sentidos daqueles que se atrevem a entendê-los.
Enquanto tentava seguir minha graduação, meus professores sempre me chamavam a atenção para meu alto grau de poesia em meus escritos acadêmicos. Intitulavam-me rebelde. Pediam-me maior precisão e rigor acadêmicos. Agora que estou na minha especialização, meus professores me pedem mais poesia; pedem que eu seja menos metódica, e que eu sinta mais.
E quem que é a criatura que não sabe mesmo o que quer?! Sou eu?
Quem não tem, ainda, pensamentos e sentimentos definidos? Eu? Meus professores? O mundo com relação a mim, ou eu com relação ao mundo que me cerca?
Eu sou o Abaporu.

Sou (mesmo) eu, o Abaporu?



"Abaporu", pintura de óleo sobre tela de Tarsila do Amaral, 1929. Coleção Particular